Durante o nosso mês em Maputo, estivemos também envolvidos no projeto Mateus 25.
Este projeto, é uma iniciativa levada a cabo pela Nunciatura Apostólica (a embaixada do Vaticano, por outras palavras) em Moçambique com a ajuda de cerca de 20 congregações religiosas e várias comunidades paroquiais. Presta apoio todas as noites a mais de 200 jovens e adultos na condição de sem-abrigo, sendo que uma grande parte destes enfrenta a realidade da toxicodependência e alcoolismo.
As atividades do Mateus 25 dão-se no recinto da Paróquia de Nossa Senhora das Vitórias. Equipas de voluntários e religiosos de várias congregações, vindos de todos os cantos da cidade, garantem a animação da noite, a confeção e transporte das refeições e a sua distribuição em mãos. Em todo o Mundo existem pessoas de coração grande, com vontade de fazer a diferença e de ajudar quem mais precisa. É bom ver como também aqui existem tantas congregações e grupos de voluntários envolvidos em iniciativas de apoio social, que cobrem muitas vezes os buracos que o Estado social não preenche.

Às terças e quintas-feiras acresce a realização da “dinâmica dos doze passos”. Nesses dias, os “mateus” organizam-se em pequenos grupos com o seu respetivo animador, partilhando histórias de vida, situação atual, dificuldades, preocupações e ambições. Pretende-se que ao longo de 3 a 6 meses, percorram um caminho de transformação das suas vidas em doze passos. São eles:
- Admitir
- Confiar
- Entregar
- Arrepender-se
- Confessar
- Renascer
- Reparar
- Professar a Fé
- Orar e Vigiar
- Servir
- Celebrar
- Festejar
Neste projeto é cativante a dignidade com que se lida com as pessoas na condição de sem abrigo.
A noite típica de Mateus 25 inicia-se pelas 19h00, hora em que se abrem os portões. Custa ver a condição em que muitos deles, maioritariamente homens e jovens chegam. Sujos, a cheirar mal e com a “casa às costas”.
Enquanto vão chegando, vão-se cumprimentando e cantando. A musicalidade e sentido comunitário tão natural dos Moçambicanos facilitam a ambientação para a intensa atividade que se segue. Há saudações e sorrisos na cara de parte a parte, um encontro entre iguais (a equipa e os “mateus”) que se vêm todos os dias àquela hora, naquele lugar, para serem uns com os outros.
Esgotados os 20 minutos de tolerância, fecham-se os portões e mais ninguém pode entrar. Embora pareça uma medida rígida, este é o primeiro sinal da dignidade com que se trata estes irmãos. Quando vamos ao encontro de alguém que estimamos, deveremos comparecer às horas marcadas. E é assim no Mateus 25. O compromisso para com a mudança de vida inicia-se logo pela pontualidade.
Faz-se então uma leitura bíblica, uma reflexão conjunta e livre partilha do que ressoa no espírito de cada um, porque “nem só de pão vive o homem”, e os “mateus” têm isso bem claro.
Depois da serenidade que traz este momento, é tempo de todos lavarem cuidadosamente as mãos. A comida está a chegar…


Enfim lá vem a fumegar das panelas gigantes o desejado prato, passa de mão em mão numa cadeia de voluntários até uma fila de “mateus” bem organizada. “Como está?” “Bom apetite, irmão.” “Kanimambo!”.
Nesta altura, por vezes, geram-se pequenos conflitos entre os “mateus”. A fome é tanta que tentam sempre passar a perna às equipas organizadoras, dizendo que ainda não comeram para ver se lhes servem mais uma refeição. Nada que a equipa não esteja pronta a intervir e resolver de imediato com algum humor e tranquilidade. “Estou cheio”, “Não me apetece mais”, “Não gosto”, são frases que não conhecem. Devoram tudo em poucos segundos.
Os irmãos saem por fim do recinto, limpa-se o espaço, a equipa faz uma pequena avaliação da noite, e já está: 1 hora e 45 minutos de comunhão, partilha e transformação. Amanhã é um novo dia.
A nossa intervenção neste projeto consistiu em:
- Integrar a Equipa Permanente do projeto Mateus 25;
- Apoiar na logística e orientar a atuação das equipas rotativas;
- Dar feedback à coordenação do projeto;
- Montar e manter diariamente o sistema de som que permite a boa comunicação e animação de cada noite.
Dar apoio no Mateus 25 foi uma constante aprendizagem, em contacto com uma dura realidade. Detalhes à parte, todo o projeto já está bastante bem estruturado e flui com o trabalho e empenho das equipas organizadoras.
Ser voluntário nestas noites é uma missão de pequenos detalhes: carregar a coluna de som, verter água para lavar as mãos, servir a mesma porção de comida para todos e um só prato por pessoa, entregar a refeição com humildade, desejando bom apetite, dar um pequeno conselho ou palavra amiga, ser paciente, dar instruções claras e aplicar as regras de funcionamento, não fugir ao toque e proximidade, atuar calmamente….
Tudo isto compõe uma porta serena que se mantém permanentemente aberta para a mudança de que os “mateus” precisam, um fósforo de esperança que diz que a vida pode melhorar.
Qual o impacto concreto da nossa ação neste projeto? É difícil medir, pois a vida de alguém não muda de um dia para o outro.
Muitas vezes não se pode calcular o tamanho que tem cada gesto de caridade, mas sabemos sempre que ele existe, que faz vibrar, que se recria infinitamente e que isso alimenta um Mundo melhor. Então, ele vale a pena. Vale sempre muito a pena.