Centro Hakumana

Em Maputo, a nossa missão centrou-se maioritariamente no Centro Hakumana.

Hakumana significa em Changana “Nos encontramos”, e dá nome a um centro que atende, acolhe e acompanha pessoas que vivem com HIV/SIDA e seus familiares. Procura também dar resposta a situações de grande pobreza que estas famílias enfrentam. Situa-se no Bairro de Maxaquene e pertence à Conferência dos Institutos Religiosos de Moçambique (CIRMO). Atualmente apoia cerca de 500 pessoas, mediante:

  • Fornecimento de um reforço de alimentação (“mata-bicho”*1) e cabazes de alimentos;
  • Prestação de serviços gratuitos na área da saúde e assistência social;
  • Visitas domiciliárias a utentes que não se podem deslocar ao centro;
  • Apoio escolar e atividades de tempos-livres;
  • Terapia ocupacional e atividades de geração de rendimentos para as famílias e para o Centro (machamba*2, costura, cestaria, entre outras);
  • Formação e sensibilização em diversas áreas críticas para os utentes.

*1 – pequeno-almoço; *2 – horta;

A nossa missão focou-se essencialmente na área da educação, por ser prioritário combater o insucesso e abandono escolar das crianças, problema a que o Centro tem dificuldade em dar resposta adequadamente, por falta de recursos humanos e espaço físico para o efeito. Trabalhámos com cerca de 80 crianças e jovens dos 6 aos 17 anos.

O que fizemos?

  • Capacitar os jovens para a liderança, autonomia e trabalho em equipa (implementação de um sistema de equipas compostas por elementos de diversas idades com identidade e liderança própria e um mecanismo para tomada de decisões e lançamento de projetos);
  • Apoiar o estudo (apoio nos trabalhos de casa e nas dificuldades escolares de cada criança);
  • Dinamizar oportunidades educativas não formais (realização das “1ªs Olimpíadas Hakumana”: um dia de jogos competitivos entre as equipas formadas, em que colocaram à prova as suas aptidões, aprendendo a trabalhar em equipa; dinamização da hora do recreio através de jogos e atividades organizadas);
  • Criar um código de Direitos e Deveres (o primeiro passo foi a formação “O que são direitos e deveres?”. Posteriormente, após debate e negociação, selecionámos em conjunto os 10 direitos e 10 deveres do Centro, que foram pintados numa das paredes do átrio principal. Este código servirá principalmente como guia de identidade e valores comuns a todos os utentes do Centro);
  • Apoiar a gestão e organização (criação de um banco de manuais escolares e material de apoio ao estudo. Desta forma, tornou-se possível dar um apoio ao estudo mais consistente e eficiente às crianças e jovens, principalmente àquelas que carecem de meios financeiros para comprar manuais escolares ou têm pior aproveitamento escolar);
  • Dar formação especializada (na área da Saúde – “Higiene Pessoal, Mental e Ambiental” às crianças e jovens e na área da Gestão – “O Negócio: Contas, Produto, Mercado e Venda” às mamãs);
  • Apoiar a enfermaria (cuidados de enfermagem aos doentes do Centro e realização de visitas domiciliárias e a doentes hospitalizados).

O culminar da nossa missão foi a concretização do Projeto do Dia da Criança, sonhado e preparado pelas crianças e jovens do Centro com a nossa ajuda. O projeto consistiu em celebrar este dia na Casa do Gaiato (instituição de acolhimento de crianças provenientes de famílias destruturadas ou órfãs), em Boane (arredores de Maputo), num evento diferente, alegre e com um programa de atividades que incluiu momentos de oração, jogos, pintura e demonstrações culturais que uniram cerca de 300 crianças das duas instituições.

O que sentimos?

Ter estado em missão no Centro Hakumana, foi uma primeira grande experiência de voluntariado missionário. Gratificante, muito impactante. Alguns dos pontos que mais nos marcaram:

As estruturas e materiais que (não) existem:

No pátio de terra vermelha os rapazes correm atrás de pneus, as raparigas saltam numa corda de fita improvisada ao som de canções alegres inventadas ali mesmo, em Maxaquene. Na hora do mata-bicho, a sala apertada serve para várias dezenas em bancos e chão. Na hora do estudo, e ainda na mesma sala, o barulho impede a concentração mínima. O estado do material e manuais escolares (quando existem), extremamente degradado. Aquela resposta tímida e gelada à ordem para fazer um exercício: “Não tenho caneta”.

As dificuldades de aprendizagem:

Prestar apoio ao estudo foi um grande desafio. É prestado em simultâneo a crianças de várias classes distintas e as dificuldades que apresentam são de uma fase de aprendizagem muito inicial. Miúdos da 5ª classe que só conseguem fazer somas desenhando pauzinhos no caderno, miúdos da 7ª classe que não compreendem a lógica da tabuada e jovens da 10ª classe que não sabem dizer as cores em Inglês. Deixou de importar a classe em que estão, interessando simplesmente ir ao encontro das suas dificuldades mais primárias, especialmente na matemática e português.

A carência de afeto:

Muitas das crianças são órfãs de pai e/ou mãe. Ao entrarmos pela porta do Centro, uma multidão de pigmeus de vários tamanhos correm para nos agarrar as pernas, saltar para as cavalitas, mexer no cabelo, aninhar-se no colo como quem precisa de mãe ou pai (e precisa mesmo).

A equipa incansável:

Entre a coordenação, as irmãs responsáveis, os técnicos de saúde, educadores e voluntários, existe uma equipa de trabalho de grande diversidade e qualidade. O Centro Hakumana está de facto na linha da frente no que toca a apoiar pessoas que vivem em situação de pobreza extrema e/ou infetadas com HIV/SIDA. O Centro vai ao encontro das dificuldades quotidianas e empenha-se de coração, com os meios que tem, na dignidade e felicidade de cada um dos seus utentes.

O difícil acesso a cuidados de saúde:

Contactar tão diretamente com a falta de recursos e meios em que vivem muitos dos seus utentes, e assistir à ausência de cuidados médicos e tratamentos apropriados perante um problema de saúde, foi chocante. Apercebemo-nos que aqui a vida humana é menos valorizada, não por lhe darem menos valor, mas porque não existem tantas possibilidades para a proteger e dignificar. À falta de soluções práticas, médicas, coloca-se o destino nas mãos de Deus. Aceitar esta realidade é muito doloroso.

Saímos do Centro Hakumana felizes, com sensação de missão cumprida, mas com a clara noção de que ainda havia tanto para sonhar e fazer.

Estar em missão não é só o dia-a-dia de trabalho nos projetos em que estamos envolvidos. Existe toda uma dinâmica paralela na vivência em comunidade com as irmãs e em dar um sentido maior à palavra missionário. Partir em missão é ser a missão: uma tarefa que não tem fim.

O serviço aqui está ao virar da esquina. Para onde vamos, o que falamos e como fazemos são bens valiosos também aqui e, portanto, doáveis a toda a hora. Esta não é uma vaidade, mas uma oportunidade e sobretudo uma enorme responsabilidade.

Vamos gerindo energias para poder dar o mais e o menos, as grandes e as pequenas coisas. Do projeto ambicioso ao pequeno conselho. Tudo isto é serviço, e o tamanho da tarefa não faz muita diferença. Estamos igualmente entregues às grandes e às pequenas oportunidades de ser com o outro.

“A caridade é inventiva até ao infinito.”, dizia São Vicente de Paulo. Confirma-se. O que se pode fazer pelo outro não tem fim. Pensa-se e faz-se algo gratuitamente por alguém, e logo outro algo, com uma evidência esmagadora, se vem juntar à agenda de possibilidades para estar ao serviço.

Na situação de servir os outros não há limite para a felicidade que se pode construir daí, porque não há limite para o que se pode sonhar daí. Por isso haverá sempre tanto que sonhar e fazer.