
Cumprir com o protocolo comum e fazer tudo como deve ser feito não nos atraia o suficiente. Sonhávamos com um início a dois diferente, audaz, de improviso, aventura e emoções fortes, à nossa maneira.
Foi por isso que decidimos poupar para partir, em vez de comprar um carro melhor. Foi por isso que decidimos começar a vida a dois de mochila às costas, em vez de comprar uma casa. Foi por isso que preferimos uma experiência de vida a uma promoção ambiciosa no emprego. Foi por isso que preferimos o curso das pessoas e do Mundo antes de mais uma habilitação literária. Sabíamos que assim havíamos de crescer mais e melhor, procurando a felicidade nas coisas simples, humanas e reais.
Mas como?
Partir por um ano, 6 meses ao serviço numa missão de voluntariado e 6 meses em viagem, foi a forma como quisemos por o Pé Nu Mundo.
A verdade é que do sonho de partir a partir para o sonho vai um passo largo. Afinal, qualquer projeto tem a sua preparação e este não foi exceção:
Encontrar a Organização de Voluntariado com a qual nos identificamos
Há por aí muitas organizações de “volunturismo” (estilo agência de viagens) que pedem quantias exageradas de dinheiro para aliviar a consciência de voluntários bem-intencionados (e um pouco ingénuos) que são enviados em missões muito bem organizadas e publicitadas, com direito a um grande apoio logístico e diploma no final. Este tipo de organizações e as suas missões desvirtuam muito o que deverá ser um voluntariado sério e verdadeiro ao serviço dos outros.
Tínhamos consciência que queríamos estar integrados numa organização católica, porque essa seria a nossa forma de garantir a genuinidade da missão e a oportunidade de caminhar na fé que nos dá sentido. Deparámo-nos com o facto de muitas organizações católicas exigirem que estivéssemos previamente integrados num grupo ou que realizássemos um ano de formação, o que para nós não era possível em termos de timings.
Outro desafio foi o de tentar conciliar numa missão de voluntariado as nossas duas áreas de formação: saúde e gestão. Concluímos que esse era um exercício fútil, e que deveríamos partir de coração aberto para colocar, o melhor possível, os nossos talentos e conhecimentos ao serviço daquilo que fosse necessário, que esse era o verdadeiro sentido da missão.
Finalmente, e depois de meses de procura, contactos e reuniões, cruzámo-nos com o Grupo Missão Mundo, grupo de leigos missionários associado às missões das Irmãs Concepcionistas ao Serviço dos Pobres (Congregação católica). Fomos acolhidos num ambiente aberto e familiar, e a empatia foi imediata, quiseram conhecer-nos e deram-se a conhecer. Criaram a oportunidade de partirmos como somos, com a formação e caminhada que temos, ajudaram-nos a planear e a dar um sentido único a esta missão.
No que toca a contas, a viagem ficou a nosso cargo. As despesas de alojamento e alimentação são asseguradas pelas Irmãs.
Pedido de Visto
A burocracia também chega aqui. Pedir um visto para permanecer em Moçambique por tanto tempo no contexto de voluntariado implica muita papelada, dinheiro e uma espera interminável. Ainda em Portugal, já sentíamos o ritmo e a imprevisibilidade da burocracia de Moçambique.
Depois de um mês a reunir os documentos necessários, no mesmo dia em que os apresentámos no Consulado, para nossa sorte, o preço do visto tinha subido de 150 para 350€. Não podendo fazer nada quanto à situação, conformámo-nos, até que chegámos a Moçambique e nos deram 1 mês para prorrogar o visto, com o bónus de termos de pagar mais 250€ sem aviso prévio (preço para 1 pessoa). Foi no mínimo frustrante.
Preparar uma viagem de 6 meses pelo Mundo
O mundo é de facto enorme. Não dá para “come-lo” todo de uma vez, e por isso é importante fazer escolhas. Mas qual é a rota perfeita?
Selecionámos os países que os dois gostaríamos de conhecer algures entre África, Ásia e Oceânia. Debatemos, discutimos, zangámo-nos e chegámos a acordo. Assinalámos no calendário de 2020 uma data imaginária de volta a Portugal. Calculando uma média de tempo que seria viável e aconselhável ficar em cada país, traçámos a rota.
Esta rota tem possíveis percursos, possíveis datas, possíveis estadias, possíveis despesas, possíveis experiências…É a rota do possível, mas não é a rota do certo. Guardámos um espaço para o improviso e para o descanso, para irmos e ficarmos a um ritmo saudável e ao sabor daquilo que se for colocando naturalmente no nosso caminho.
A verdade é que o único destino da viagem concretamente fechado é o primeiro. O resto…havemos de chegar lá.
Consulta do Viajante/Vacinas
Decidimos marcar a consulta do viajante presencial no Instituto de Higiene e Medicina Tropical. Após respondermos a um longo questionário acerca do nosso histórico de saúde e mostrarmos uma lista de cerca de 15 países por onde sonhávamos passar, em 1h30 de consulta, o médico, profissional e paciente, conseguiu transmitir-nos os cuidados básicos a ter em viagem em relação a água, alimentos, insetos, altitude, medicação a levar (antimaláricos, repelentes, antidiarreicos…) e que vacinas recomendava. No final confessou que tinha sido uma consulta complexa, o que acolhemos como um bom presságio. Saímos com os braços doridos, depois das vacinas contra a Encefalite Japonesa, Febre Tifóide, Hepatite A, Tétano e Poliomielite. A vacina contra a Cólera bebemos em casa.
Farmácia e Kit de Primeiros Socorros
Preparar uma farmácia e um kit de primeiros socorros para um ano fora de casa, em países com poucas infraestruturas e lugares isolados, tem a sua exigência. Valeram-nos as dicas do médico da consulta do viajante, conversas com quem já viajou muito ou esteve em missão, e a experiência da Joana como enfermeira.
A nossa “pequena” farmácia:
- Termómetro
- Antidiarreicos
- Probióticos
- Laxantes
- Analgésicos/antipiréticos/antiespasmódicos
- Anti-inflamatório
- Anti-histamínicos
- Antiemético
- Relaxante Muscular
- Medicamentos para alívio da congestão nasal e dores de garganta
- Antibióticos
- Antimaláricos
Primeiros-Socorros:
- Antissético
- Álcool
- Iodopovidona (betadine)
- Soro Fisiológico
- Pomadas para tratamento de feridas, queimaduras, infeções bacterianas/fúngicas, picadas de insetos e inflamações
- Compressas
- Adesivo
- Tesoura
- Pensos para bolhas
- Pensos rápidos
- Pensos impermeáveis
- Ligaduras
- Lâmina de bisturi
- Seringas
- Agulhas
- Steri-Strips
- Luvas
Seguro de Viagem
Há seguros de viagem para tudo e todos. Muito caros e muito completos, menos caros e a cobrir os básicos. Depois de pesquisas e pedidos de cotação, optámos por um seguro que tivesse uma cobertura razoável para despesas médicas e de hospitalização, repatriação e para caso de perda ou roubo de bagagem, que eram as nossas prioridades. Acabámos por fazer um seguro para um ano relativamente barato com a Allianz Seguros.
Fazer uma mochila para 1 ano
Demos por nós a pensar como caberia numa mochila tudo o que precisaríamos para 1 ano fora de casa sem ser com a “casa às costas”. A resposta foi simples: distinguir o essencial do acessório.
Valeu-nos a experiência escutista que já nos levou a fazer muitas mochilas e chegámos rapidamente à conclusão de que fazer uma mochila para 1 semana ou para 1 ano é relativamente igual. O livro “O Mundo é Fácil” do Gonçalo Cadilhe tem dicas que ajudaram! Saímos de Lisboa com uma mochila de 60 e 80 litros às costas.
Preparar o espírito
Para além da mochila, antes de partir há que preparar o espírito. Foi importante rever os grandes propósitos da missão e da viagem, procurando momentos calmos no meio do caos logístico que é a preparação prática da ida. Foi também essencial ir abrindo o coração para o serviço ao próximo, em visitas ao Hospital Dona Estefânia ou nas voltas de apoio aos sem-abrigo com a Comunidade Vida e Paz. Tudo isto para que não restem dúvidas de que a missão e a procura do outro começa em casa, bem perto dos familiares de sempre ou estranhos do bairro a precisar do nosso amor ou na posição de nos ensinar algo.
Custos
Se vos interessar, os custos pré-partida, por pessoa, rondaram os 1800€. Incluem viagem Lisboa-Maputo, Visto, Consulta do Viajante e Vacinas, Farmácia/Kit de Primeiros Socorros e Seguro de Viagem.
As despedidas
Dizer adeus à família e amigos por um ano não é tarefa fácil, mas é necessário para levantar voo. Não vamos ver o primo nascer, nem a afilhada a dar os primeiros passos. Não vamos estar presentes nos casamentos da prima e amigos. Não vamos acompanhar muitos momentos importantes de pessoas muito importantes. Saber isso custa, mas a vida é feita, mais uma vez, de escolhas, e querer estar em todo o lado ao mesmo tempo é estar em lado nenhum.
Valerá a pena? Há que arriscar e trilhar com os próprios pés o rumo da história que queremos viver.